GAZA POR SARAMAGO


José de Sousa Saramago (Azinhaga, 16 de Novembro de 1922) é um escritor, roteirista, jornalista, dramaturgo e poeta português, galardoado em 1998 com o Nobel da Literatura. Também ganhou o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago é considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.[1]

Nasceu na província do Ribatejo, no dia 16 de novembro, embora o registo oficial apresente o dia 18 como o do seu nascimento. Saramago, conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, é membro do Partido Comunista Português e foi director do Diário de Notícias. Juntamente com Luiz Francisco Rebello, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Casado com a espanhola Pilar del Río, Saramago vive actualmente em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.



22/12/2008

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações
Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam
os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou
que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita,
decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali
registadas como refugiados.

Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar
vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os camiões da
agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o
exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma
autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último
desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações
Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia
internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos,
faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de
impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se
tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se
o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único
soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados
em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da
sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os
seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus
rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente
actualizado.

ISRAEL
31/12/2008

Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos
venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com
Israel a “relação especial” que liga os dois países, em particular o
apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à política
repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os governantes (e porque
não também os governados?) israelitas não têm feito outra coisa senão
martirizar por todos os modos e meios o povo palestino.

Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e
criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a
aprovação da gente honesta. Outros presidentes colegas seus o fizeram
antes sem precisarem de outra justificação que a tal “relação
especial” com a qual se deu cobertura a quantas ignomínias foram
tramadas pelos dois países contra os direitos nacionais dos
palestinos.

Ao longo da campanha eleitoral Barack Obama, fosse por vivência
pessoal ou por estratégia política, soube dar de si mesmo a imagem de
um pai estremoso. Isso me leva a sugerir-lhe que conte esta noite uma
história às suas filhas antes de adormecerem, a história de um barco
que transportava quatro toneladas de medicamentos para acudir à
terrível situação sanitária da população de Gaza e que esse barco,
Dignidade era o seu nome, foi destruído por um ataque de forças navais
israelitas sob o pretexto de que não tinha autorização para atracar
nas suas costas (julgava eu, afinal ignorante, que as costas de Gaza
eram palestinas…) E não se surpreenda se uma das suas filhas, ou as
duas em coro, lhe disserem: “Não te canses, papá, já sabemos o que é
uma relação especial, chama-se cumplicidade no crime”.

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