DANÇAR DE ROSTO COLADO




Não quero estar enganado, pois consulto apenas minha memória para escrever sobre o tema do título. Mas foi num programa na Rádio Guaíba AM, em 1982, que o Paulo Deniz (já nos deixou) estava apresentando – "Discorama", criação do saudoso Osmar Meletti – onde o tema foi levantado: por que não se dança mais de rosto colado? No estúdio, José Fontella e eu.

Paulo Deniz rodava no programa "Música Suave", com Roberto Carlos e aí, logo após a interpretação do "Rei", lembramos dos tempos dos bailes da Reitoria. Que bailes! E por que a gente não faz um baile lá reitoria para relembrar os velhos tempos? A idéia cresceu tanto que o baile saiu meses depois. Sucesso total, salão lotado, convites disputados até por telefonemas influentes.

Tivemos apelos assim: "Não posso ficar fora deste baile. Meu casamento saiu dali, depois de uma 'marca'(uma dança era uma 'marca') com minha atual esposa". Mas o importante desse evento que foi sendo divulgado por nós mesmos, ocorreu quando Norberto Baldauff e Renato Maciel de Sá reorganizaram seus conjuntos melódicos para a animação do baile. Era glória. Um Baile da Reitoria estava saindo do túnel do tempo para se cristalizar numa noite inesquecível.

A TV Guaíba transmitiu o baile e quando Edgar Pozzer atacou de "Al Di Lá, bem, aí, foi um arraso geral. O salão ficou pequeno porque todos os casais presentes foram dançar, rigorosamente, de rosto colado.

Nesta quinta-feira, dia 1º, o assunto voltou na mesma Rádio Guaíba, no meu programa matinal, quando, outra vez, lembramos (Vladimir Oliveira e eu) da falta que faz dançar de rosto colado e que nem mesmo se tinha mais os bailes de reveillon que sempre terminavam com um grito de carnaval.

Rosto colado é coisa que os jovens de hoje não conhecem como preliminares de um ato de sedução. Nesses bailes de antigamente (que palavra dolorosa!), os jovens rastreavam o salão em busca da garota ideal para iniciar um romance. Caso ela fosse localizada na mesa com os pais, nossas pernas tremiam. Uma cuba libre talvez fosse o combustível para encorajar o ato de atravessar o salão e chegar na mesa com o convite, formalíssimo, "vamos dançar?"

O "sim" dela poderia significar que também queria dançar, pois os olhos já tinham se cruzado num momento do baile, mas poderia ser apenas o "sim" formal para não dar um "cano" no rapaz audacioso. Neste último caso, a regra que a jovem aprendeu em casa com a mãe casamenteira, era dançar no máximo três para não significar que havia outro interesse a não ser o da boa educação.

No entanto, se "pintasse um clima" – ai, Jesus! – as danças se prolongariam por todo o baile e, na hora exata, os rostos se colavam e a sedução começava com uma conversa de ouvido. O ato de seduzir transformava-se numa enciclopédia romântica que valia até mentiras ingênuas.

Corta para 2009. Não há mais rosto colado, não há mais bailes, os conjuntos melódicos são apenas boas lembranças e os clubes estão fechando seus salões que tinham a sua boate para os jovens. O beijo roubado, quando as luzes diminuíam de intensidade, era, talvez, o único da noite. Hoje, as garotas ficam apostando quem beija mais garotos numa noite e vulgarizou-se o ato mais sublime de um início de conquista.

O baile funk, mais que uma reunião dos jovens de hoje, é um convescote de traficantes em busca de novos babacas para o início de uma vida de vícios. Vale o mesmo para a festa reive e os incidentes estão aí na imprensa para que o colunista não passe por um "velho recalcado".

A sedução transformou-se em agressão sexual, para ambos os lados. Sem crack, sem pó, sem baseado, não há sequer uma aproximação de pessoas de sexo diferente. Rosto colado nem mesmo quando o DJ aposta em algo lento para descansar os dedos. Não se dança mais, os requebros e os pulos substituíram os passos cadenciados. O barulho do bate-estaca acabou com o diálogo. Sem diálogo não há sedução, mas pode haver estupro.

Fim de papo. Está bem, somos velhos quando falamos em "rosto colado". Mas ninguém pode roubar de nossa memória um tempo mágico onde o cavalheirismo de uma dança fazia-nos flutuar por salões com pessoas especiais. E quem não dançou uma vez na vida de rosto colado não sabe o que perdeu.

Rogério Mendelski.

Comentários

Postagens mais visitadas