Brasileira = Prostituta. É assim que a Europa nos vê

Mulheres que escolhem Portugal e Espanha para estudar, fazer negócios ou simplesmente mudar de ares têm que provar o tempo todo que não estão lá para se prostituir ou arrumar marido.

Fomos aos dois países rastrear as origens do preconceito – que se espalha pela Europa e está cada dia mais agudo.

Patrícia Jota de Lisboa, e Daniel Setti, de Barcelona.

A estudante gaúcha Manoela Rysdyk, 28 anos, e uma amiga andavam em Lisboa, pelas ruas do Bairro Alto, cheio de bares charmosos e onde não circulam carros. Um motorista afoito surgiu num Alfa Romeo, buzinou e gritou para elas saírem da frente. Manoela respondeu e o homem, irritado, saiu do carro já acertando socos e pontapés nas duas. A polícia chegou, o português se adiantou: “São prostitutas brasileiras”. Enquanto a gaúcha e a amiga tentavam dar a versão delas, o policial pediu o passaporte e decretou: “É mentira, vocês são mesmo prostitutas brasileiras”. Manoela ficou uma semana sem pôr o pé na rua, chorando. Pouco tempo depois, de volta a Porto Alegre, recebeu o diagnóstico de síndrome do pânico.
Na Espanha, a nutricionista paranaense Sueli Moreira, 38 anos, preferiu perder a fiança que pagou a continuar na república onde alugava um quarto. Como parte do seu doutorado pela Universidade de São Paulo, precisava passar sete meses em Barcelona. Já nos primeiros dias no novo endereço, onde viviam apenas pós-graduandos estrangeiros, ouviu da esposa de um colega a determinação de não chegar perto do marido dela: “Toda brasileira é prostituta”, sentenciou.
São situações como essas que as brasileiras têm enfrentado no dia-a-dia em Portugal e na Espanha. Não faz diferença nem o grau de formação, nem a qualificação profissional, nem mesmo o tipo físico. No imaginário europeu, a mulher brasileira é livre, sensual, não mede esforços para atingir seus objetivos e não vê barreiras que a impeçam de trocar de par se ela não está feliz. Essa lista de atributos atesta que estamos falando de uma mulher bem-resolvida e dona de si, mas na Europa tem sido sinônimo de mulher volúvel, infiel, cidadã nada confiável.
Brasileira = Prostituta. É assim que a Europa nos vê o preço da miséria e do fio dental.
A pobreza do país e o estereótipo vinculado à brasileira -- exótica e sensual -- acabaram contribuindo para um dos crimes mais sérios da atualidade: a exploração sexual. Sabe-se que o tráfico de seres humanos em geral rende em torno de 7 bilhões de dólares por ano – uma mulher chega a ser vendida por 30 mil dólares -- e que poderosas organizações criminosas estão envolvidas no negócio. Falsos anúncios, catálogos de noivas enviados pelo correio ou encontros casuais são apontados como formas de aliciar as vítimas. Segundo o relatório mundial sobre tráfico de pessoas, do escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, o número de trabalhadores e trabalhadoras do sexo que vive ilegalmente na União Européia varia entre 200 mil e 500 mil. Dois terços vêm do Leste europeu e o restante de outros países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Estados Unidos, Portugal, Espanha e nações de língua latina são os destinos principais das vítimas brasileiras.

No recém-divulgado estudo Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, realizado em Portugal, o Brasil é apontado como o país de origem da maioria das vítimas de tráfico sexual. Tanto que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras traçou o seguinte perfil da mulher sujeita ao contrabando: “Brasileira com idade compreendida entre os 22 e os 30 anos, solteira, com nível médio de instrução e emprego no setor terciário no país de origem, oriunda maioritariamente do estado de Goiás, viajando pelos seus próprios meios e vontade para Portugal”.

Na opinião da a pesquisadora Luciana Pontes, que realiza pré-doutorado em Antropologia Social e Cultural na Universidade Autônoma de Barcelona, “existe um processo de exotização das nacionalidades em geral, e da brasileira em particular.” Luciana está investigando a representação de mulheres migradas em produções audiovisuais. “Tal processo é reforçado pela mídia, tanto através dos reforços dos nacionalismos europeus como pelo tratamento da imigração enquanto clandestina, marginal e ameaçadora. No presente caso, a articulação entre gênero, nacionalidade e uma representação criminalizadora resulta na imagem da prostituta imigrante brasileira.”

O negócio da prostituição assumiu tamanha proporção, que obrigou os governos a tomarem uma atitude. O Brasil está comprometido com o combate a esse tipo de crime e vem desenvolvendo, desde 2002, parcerias com outros países e organismos internacionais. Em janeiro foi instituído o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Já é um começo.

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